O Cinismo, Diógenes e o que define uma boa vida
Os séculos entre a morte de Alexandre, O Grande (em 323 AEC) e a morte de Santo Agostinho de Hipona (em 430 EC) delimitam os períodos Helenístico e o Imperial.
Por entre estes sete séculos e meio, o mundo viu a ascenção do domínio romano e, subsequentemente, do Cristianismo – subordinando a filosofia quase exclusivamente à Igreja.
Ainda assim, surgiram 4 escolas filosóficas notáveis que influenciaram o mundo:
- Cinismo;
- Estoicismo;
- Epicurismo;
- Neoplatonismo.

É de realçar as diferenças dos objectivos filosóficos destas escolas em relação ao que as antecede:
- Até então, a procura da filosofia centrava-se na compreensão do mundo e de como viver uma vida boa (virtuosa);
- Estas escolas, ao invés, centraram-se na obtenção da Ataraxia.
Ataraxia: – Tranquilidade da alma, paz de espírito, ausência de perturbação; – Equanimidade: igual ânimo perante prosperidade ou adversidade; – É obtida pela disciplina e autocontrolo dos nossos desejos e emoções, e a aceitação do males de que não temos controlo. |
Esta diferença, conjectura-se que estará relacionada com os tempos incertos do período Helenístico – com os impérios de Alexandre e de Roma – que gerou uma procura pela segurança que o mundo não garantia.
De entre estas quatro, o Cinismo destaca-se por, na verdade, nem se inserir propriamente entre elas.
CINISMO
Chamar ao Cinismo uma escola é um erro organizativo, uma que vez que, mais do que filosofia, os cínicos partilhavam um modo de viver.
- A VIDA DE UM CÍNICO
O cinismo rejeitava a convenção e ambições tradicionais, defendendo que a vida deveria ser vivida de acordo com a natureza.
Ou seja, não seria através da etiqueta ou da religião que se viveria uma vida boa (eudemonia – ver xvi) mas através da vida natural e simples.
Um exemplo disto, eram as vestimentas típicas dos cínicos – uma túnica esfarrapada, um bordão (cajado) e uma bolsa – assim como a ideia de que tudo o que precisamos como cama é uma túnica dobrada.

Esta noção, por sua vez, redefinia o valor e significado da vergonha para os cínicos:
Viver uma vida natural significava viver contra a ideia do decoro ser bom. Por isso, não é vergonhoso, para eles, quebrar a etiqueta (p.e. roubar comida dos templos ou urinar em público).
Pelo contrário, vergonhoso era viver contra o natural, em discordância com a alma, desejando por noções que só aparentam ser boas sem o serem (riqueza, fama).
É de notar que este modo natural de ver a vida não foi único dos cínicos – os Padres do Deserto, por exemplo (posteriores aos cínicos), refugiavam-se nos desertos, longe das corrupções das sociedades.
No entanto, um traço que distingue os cínicos dos restantes, é que estes não fugiam das tentações.
Pelo contrário, eles viviam no seio da cidade, desafiando as tentações e encorajando os outros a segui-los.
O encorajamento não era apenas através do exemplo, mas também de críticas, gozo e envergonhando-os, com o objectivo de fazê-los pensar.
- ORIGEM
Não sem controvérsia, mas pensa-se que o fundador do cinismo terá sido Antístenes.

Nascido em Atenas (445–365 AEC) e influenciado por Sócrates, Antístenes reconhecia na virtude, a fonte da felicidade – e a via para a virtude, passava pelo ascetismo.
Ascetismo: – Regime de autodisciplina espiritual caracterizado pela intensa meditação, pela abstenção dos prazeres físicos e pelo controlo do corpo e das suas exigências, tendo como objetivo o aperfeiçoamento moral. (Infopédia) |
Antístenes defendia que a virtude pode ser ensinada, e que enobrece quem a procura.
“Enobrecer” era importante para Antístenes, já que ele era um nothos:
Nothos – Designação dos que não tinham cidadania ateniense por nascerem de escravos, estrangeiros, prostitutas ou de pais não legalmente casados. |
- O CÍNICO MAIS NOTÁVEL
Não sendo o seu fundador, o cínico mais notável será, provavelmente, Diógenes de Sínope (ou Diógenes, o Cínico).

Diógenes nasceu em 412 AEC, em Sínope, e viveu quase noventa anos, até 323 AEC.
Foi banido de Sínope, em conjunto pelo seu pai, por falsificarem moedas.
Já em Atenas, Diógenes conheceu Antístenes e, numa admiração persistente, começou a segui-lo para todo o lado, apesar de Antístenes não o aceitar como aluno.
Uma das possíveis origens da designação Cinismo, vem exactamente desta relação.
Cínico Do grego Kynikos (como um cão), de Kyon (cão) |
Assim, acredita-se que a origem do nome poderá estar no facto de Diógenes seguir Antístenes como um “cão fiel”.
Outra possibilidade, no entanto, é que a origem esteja relacionada com o estilo de vida adoptado por Diógenes.
Ao conduzir as ideias cínicas ao extremo – de uma vida natural e simples e de desprezo das convenções – Diógenes ficou conhecido por viver “como um cão”.
Diz-nos a história que, quando lhe perguntaram porque lhe chamavam cão, Diógenes respondeu:
“Porque eu acaricio aqueles que me dão alguma coisa, ladro aos que não me dão nada, e mordo aos bandidos.”
Diógenes
É de realçar que, apesar de ser mencionado por outros escritores que Diógenes escreveu livros e peças de teatro, estas citações e as suas perspectivas são retiradas de obras de outros: sendo em parte – pelo menos – mais anedotas, do que reais palavras de Diógenes.
De entre os seus incríveis hábitos, destaco:
- Descrevia-se como um “cidadão do mundo” (cosmopolitano) e como um “Sócrates enlouquecido”;
- Comia quando tinha fome, não tendo qualquer regime de horários;
“À pergunta sobre quando era a altura apropriada para comer, ele respondeu que, para os ricos, é quando quiserem; para os pobres, é quando podem.”
- Comia a comida que encontrava, sem quaisquer tabus (como referi em cima, tirando comida dos sacríficios nos templos);
- Dormia num barril;
- Andava com uma lanterna, durante o dia;

- Andava nu pelas ruas;
- Urinava e defecava por todo o lado, em público;
- Masturbava-se em público, dizendo que seria bom se fosse igualmente fácil apaziguar a fome, ao esfregar o estômago.
Ache-se o que se achar das suas ideias, é indiscutível a dedicação de Diógenes – não só em viver segundo os seus ideais, mas também na sua tentativa de mostrar às pessoas as incongruências das suas vidas e dos seus desejos.
Curiosamente, ainda hoje se recorre a estes choques culturais como um modo de desencadear desconforto nos outros – o desconforto que inicia a quebra do conformismo – quer na arte, quer na política.
Infelizmente, e se o presente nos ensina alguma coisa, é que a quebra não pressupõe sempre algo para melhor.
Termino com as palavras de Diógenes de resposta a um jovem que afirmou não ser capaz de estudar filosofia:
“Porque vives, então, se não te preocupas em viver bem?”
Ficam as diferenças do que é uma boa vida.
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