Cepticismo e a impossibilidade de saber ao certo.
Se removermos tudo aquilo que tomamos como certo – os alicerces em que baseamos e aceitamos a realidade – como é que podemos afirmar, com certeza, que algo é realmente real?

A noção de realidade, percepção e origem do conhecimento, esteve patente nos filósofos da Grécia Antiga:
- Muitos afirmaram que havia uma verdadeira realidade, diferente da que os nossos sentidos nos oferecem – Parménides chamou-lhe Uno, Demócrito com os átomos, Platão com as formas;
- Os sofistas (aqueles cuja profissão era ensinar técnicas de retórica e oratória) demonstraram como a mesma pessoa pode argumentar, com validade, a favor e contra a mesma questão;
- Sócrates afirmou ter mudado o seu interesse da Física para a Ética, por ser um desperdício de energia tentar conhecer a realidade;
- Platão afirmou que o conhecimento do mundo que nos rodeia só pode ser, na melhor das hipóteses, probabilístico.
Estas reflexões dirigiram filósofos à mesma pergunta:
“Será o conhecimento possível de todo?”
O Cepticismo acaba por ser a resposta natural a esta questão.

É de realçar que existiram duas categorias de cépticos antigos:
- Cepticismo da Academia (ou Académico);
- Cepticismo Pirrónico (ou Pirronismo)
CEPTICISMO DA ACADEMIA
A academia, neste caso, refere-se à Academia de Platão – fundado por este, e por onde passaram muitas figuras ilustres.


À direita – Sítio arqueológico da Academia (Por Tomisti – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0)
- Arcesilau e Carnéades
Arcesilau (316–241 AEC) foi o sexto sucessor de Platão na liderança da Academia, e foi o primeiro a inflecti-la numa direcção céptica.
Carnéades (214–129 AEC) foi o sucessor de Arcesilau, mas terá optado por uma visão mais moderada do Cepticismo.
Similar aos restantes céticos (e a Sócrates), Arcesilau e Carnéades não deixaram escritos, pelo que as suas perspectivas chegaram-nos pelas descrições de outros.
Isto, infelizmente, criou inconsistências sobre as suas ideias.

É certo que ambos atacaram o Estoicismo e pensa-se que partilhavam a ideia de suspender o juízo (também designado suspender a crença – Epoché).
Epoché traduz um estado no qual nada é afirmado ou negado.
Se pensarmos numa proposição P, suspender o juízo ou crença significaria não aceitar P nem aceitar não-P.
Defendiam a suspensão da crença porque diziam não haver critério de verdade que nos permita escolher entre um lado ou outro, ou que, mesmo existindo a verdade, ela não é susceptível de ser descoberta por nós.
Os estóicos argumentaram que qualquer acção deliberada requer algum nível de crença, de aceitação da realidade; ou seja, sem alguma base de conhecimento, não haveria acção consciente, pelo que não seríamos diferentes de uma planta.
Na ausência de decisão sobre o que é verdade ou não, como é que agimos na vida prática?
A resposta fornecida pelos cépticos vem na noção de eugolon – o razoável – ou seja, a melhor opção consoante as opções apresentadas.
Isto não exige que se aceitem ideias como verdadeiras ou falsas, não pondo em causa a suspensão do juízo.
Carnéades terá desenvolvido esta ideia para a noção de pithanon – que tem várias interpretações possíveis, um delas sendo “o mais provável“.
A falta de escritos, deixa-nos com pouco mais do que interpretações nas palavras de outros, o que cria toda esta confusão de sentidos.
Estende-se ao ponto de nem ser claro se defendiam a ideia de suspender a crença para todo o conhecimento (impossibilitando-o) ou se apenas como um argumento contra a visão estóica.
CEPTICISMO PIRRÓNICO (PIRRONISMO)
- ORIGEM
Vem de Pirro de Elis, o nome deste movimento céptico.

Nascido em 360 AEC, Pirro começou a vida como pintor. Após ler Demócrito, no entanto, decidiu estudar filosofia.
Viajou no exército de Alexandre, o Grande até à Índia, onde conheceu os gimnosofistas.
Gimnosofistas – Também conhecidos como “filósofos nus”; – Nome que os gregos deram a filósofos indianos que procuravam o ascetismo; – Iam ao extremo de verem a roupa (daí a designação) e a comida (há relatos de serem vegetarianos) como prejudiciais para a pureza do pensamento; |
Este encontro terá tido uma grande influência no desenvolvimento do Cepticismo de Pirro.

(By Nico Valerio – http://nicovalerio.blogspot.it/2012/03/gimnosofisti-quei-saggi-indiani-asceti.html, CC BY 4.0)
Pirro – assim como Diógenes com o Cinismo – vivia em perfeita harmonia com suas ideias cépticas, o que o tornou numa personagem peculiar.
Indiferente ao que se passava ao seu redor – já que recusava-se a tomar partido sobre qualquer situação – viveu descontraído e calmo.
Morreu com 90 anos, em 270 AEC.
- FILOSOFIA E FIGURAS MAIS NOTÁVEIS
Pirro de Elis
Pirro defendia a suspensão do juízo e o agnosticismo.
Agnóstico do Grego agnostos “desconhecido, incognoscível” *a– (não) + *gnōstos (ser conhecido) |
Afirmava que nada existia realmente, sendo as decisões humanas guiadas somente pelos costumes e hábitos.
Assim, defendia que nem as nossas crenças nem as nossas experiências são verdadeiras ou falsas, porque não há diferença lógica entre elas, tornando impossível de decidir-nos por uma.
Seguindo a sua própria filosofia, Pirro não tinha perspectivas sobre o que quer que fosse, recusando-se a tomar partidos sobre qualquer questão.
A sua indiferença ficou retratada em episódios como estes:
- Tinham de ser os amigos a salvá-lo de ser atropelado, já que ele nem se tentava desviar do trânsito;
- Uma vez, terá passado por um homem a afogar-se no rio mas, para ele, nem a morte do homem nem o acto de o salvar tinham importância, pelo que simplesmente continuou a andar.
Enesidemo
Filósofo do século I AEC, foi o primeiro a deixar escritos sobre o pirronismo – numa obra intitulada Pyrrhoneoi Logoi (Discursos Pirrónicos).

Defendeu que não há bases para o conhecimento – nem através dos sentidos nem do pensamento – pois os argumentos a favor e contra podem ser justapostos, impossibilitando-nos de saber qual é verdadeiro.
Criticou a Academia de Platão, dizendo que os filósofos “se cansam inutilmente e se esgotam em tormentos sem fim” enquanto que os pirrónicos eram “aporéticos e sem doutrinas”.
Aporia – O significado varia ao longo da história, e da área de estudo; – Na filosofia – e para os pirrónicos – significa uma contradição ou dificuldade impossível para o pensamento; – Os primeiros diálogos de Platão são descritos como aporéticos porque iniciam-se por questionar o interlocutor sobre um conceito (p.e. Coragem) e terminam com o interlocutor a admitir que não o consegue definir, não se concluindo respostas sobre a questão inicial. |
Enesidemo formulou ainda as bases para justificar porque temos de suspender o juízo, afirmando que:
- Diferentes pessoas têm experiências e juízos diferentes sobre a mesma coisa | A mesma pessoa, em contextos e condições diferentes, vai percepcionar a mesma coisa de maneiras diferentes;
- A variação das nossas idades, disposições e saúde, e a complexidade dos nossos sentidos, tornam as nossas percepções variáveis – quais são verdadeiras e quais são falsas?
Com base nisto, Enesidemo afirma que é impossível afirmar que sabemos definitivamente seja o que for.
Agripa
Pouco se sabe sobre Agripa tendo, no entanto, ficado associado a este nome, os 5 argumentos mais famosos do cepticismo antigo (conhecidos como os 5 tropos de Agripa):
- Qualquer debate suscita pontos de vistas rivais, impossibilitando de aceitar ou rejeitar qualquer lado;
- Para justificar uma tese de um argumento, temos de recorrer a uma tese anterior que, por sua vez, tem de ser justificada com outra tese anterior – entramos numa regressão que nunca termina;
- Tudo é relativo. As aparências dependem das condições e circunstâncias;
- Todas as tentativas de formar opiniões requerem pressupostos – mas para cada pressuposto, pode convocar-se um pressuposto alternativo, tornando impossível decidir;
- Para confirmar uma crença, invocamos ideias implícitas nessa crença – o que torna a confirmação circular.
Todos estes argumentos concluem o mesmo – temos de suspender o juízo.
Sexto Empírico
São oriundas dos escritos de Sexto Empírico as principais fontes de informação que temos sobre o cepticismo antigo.

O seu nome peculiar está relacionado com a sua profissão, já que pertencia à escola médica empírica.
A escola empírica aceitou o pirronismo pois ia de encontro ao seu modo de ver a medicina;
Defendiam que a impenetrabilidade da natureza tornava impossível compreender as causas da doenças, pelo que os médicos deveriam focar-se no que é evidente e observável – nomeadamente os sintomas.
Em suma,
Os cépticos antigos eram pessoas comprometidas com a investigação – não ofereciam doutrinas, nem as advogavam – cingindo-se, ao invés, a realçar o que desconhecemos e, através disso, a refutar os dogmas das outras escolas.
O Pirronismo, em particular, defendia que para atingirmos a ataraxia precisamos de suspender o juízo, para que fiquemos “primeiro sem palavras, e depois sem preocupações.”.
Só assim, defende o Pirronismo, atingiremos a felicidade (eudemonia).
Assim, os cépticos actuavam com base no que percepcionavam, aceitando tradições e costumes e obedecendo aos impulsos naturais (como a fome e a sede), mas não declaravam saber ou tentar saber.
Limitavam-se a registar o que acontece, como um historiador.
Ainda hoje, as teorias epistemológicas (as que investigam a natureza do conhecimento e de como é adquirido) esforçam-se para, ou responder às considerações cépticas, ou aceitá-las.