Crónicas para dormir (XI):
“Boy, you’re gonna carry that weight”

Sinto o descontrolo – é a noite a chegar.
Gosto da retenção, de sentir o peso a acumular, e a mochila que carrego – a que nasceu comigo – nunca a deixo para trás, independentemente.
São as sinas, nascemos com elas e a vida, nos seus jeitos sempre discretos, sempre tímidos, vai empurrando, depositando, e o peso sobe.
É o século XXI, com o I a duas pernas de ser um Y, e aí teríamos a Síndrome de Klinefelter.

É horrível – os tiranos são gente também.
E eu que nem as moscas mato.
Será que no fundo dos oceanos já ouviram falar do Hitler?
Nos aquários, acredito que não, é só vê-los a nadar e facilmente se crê que naquele microcosmos nunca ninguém morreu de ódio.
Mas eu bati no fundo, uma vez.
Saltei de cabeça, pelo lodo mal lavado, as fantasias decorativas, e bati no fundo.
Vi as pessoas passar do avesso, foi quando me apercebi que, ao contrário, ninguém é bonito. Somos uma construção de palitos:
espinha, braço, mão, dedos, mão, braço, espinha
Tão bem enfeitados, como o aquário dos peixinhos, que julgamos ter o oceano nos corpos. Mas olha para mim. O que vês?

Penso sempre em injustiças.
É semelhante a ver novelas como entretenimento, há tanto para rir quando se sabe procurar a piada. É o mesmo com as injustiças, nunca acabam, nunca deixam de surgir – conscientes ou ignorantes.
Lembro-me uma vez, numa noite em criança, de dobrar e erguer as pernas, de forma a só a nádega e o pé estarem apoiados no colchão – uma oposição ao conforto, que é sempre agradável para adormecer.
Foi a minha investida.
Naquele momento, inválido de decisões próprias, incapaz de quebrar o ininterrupto tempo de fazer surgir o escuro e o temeroso dia seguinte, o do começo das aulas, resignei-me à minha única egoísta forma de revolta, o meu grito de abril, o meu rasgo da conformação: uma posição desconfortável que me impedisse de adormecer.
Não funcionou.
Mas foi bonito.

Já é hora de dormir.
Chega de escrever – são danças, as palavras também dançam, como nós, umas maravilhosas outras nem por isso.
Words are blunt instruments
Words are sawn-off shotguns
Os dias que não chegam, as noites que se tardam, as formas de viver que nunca chegam a ser, os anos que seguem sempre à frente; tudo o que não é, pode sempre ser.
Nas palavras vivem ritmos que nunca se sentirão.