Crónicas para dormir (XVI):
Cogito, ergo sum
Por vezes, adormeço e acordo, sucessivamente, na esperança de terminar uma frase.
As pálpebras erguem-se, e a consciência toma noção de uma forma de realidade.

Há, no entanto, um momento por entre as duas voltagens, na transição de um estado para o outro – é aí que o juízo suspende.
Considere-se: nestes momentos, não somos nós cépticos profundos?
Afinal, questionamos onde estamos, com quem estamos, a que horas estamos, a que dia estamos.
Uma única questão não se levanta, nunca se levanta:
- “Quem sou eu?“
Acordar sem saber de nós é algo doente, para quem se perdeu.
A verdade é que ninguém, saudável, se suspende a si mesmo – foi Descartes quem disse:
Cogito, ergo sum.
“Penso, logo existo.”
A base da ciência.
Por vezes, acordo na penumbra do mundo a despertar.
Não são as cores do amanhecer, mas um pesar atmosférico que não se vê, só se sente.

Aceito a quebra da norma e estendo o que faz de mim, eu.
Os meus dedos navegam por distintas paragens, de um mundo para o outro, ficando só o tempo para se sentir a diferença.
Quando os meus olhos se abrem, finalmente, já o mundo é congruente e estável.
Os restantes já cá não estão e, ou se desvanecem, ou existem nos seus cantos distantes, segregados pela física.
Uno não é o mundo, é a nossa crença no mundo – não queremos verdade, queremos o que estabiliza os solavancos de viver.