Crónicas humanas (III):
Unidade.

Há um rasgar tão mais profundo do que o da pele – e, ainda assim, é na pele que o sinto.
Se fechar os olhos, vejo o sangue que encharca as veias – mais predispostas a engordar – e as artérias – atléticas e incisivas. Cada conjunto – veias ou artérias – são impressionantes nas suas respectivas maneiras, não o nego, certamente mais impressionantes do que o todo de que fazem parte mas, ainda assim, há um lado meu que deseja um sistema diferente.
Porquê tubagens, como os esgotos?
Não era tão mais belo, sermos feitos de pó, em vez de líquido? Ou uma matéria qualquer brilhante, longe deste fisicismo todo, de uma natureza mais etérea?
Agradecia uma ordem predefinida.
Uma posição estática num universo de posições estáticas.
O movimento é, em geral, um desperdício de forças, em corpos que se recusam a sair do sítio.

Sinto os dias como boomerangs – não pelo comportamento circular, esse é expectável – mas pela indiferença do impulso.
A natureza define o início e define o fim.
É certamente coincidência que os fins muitas vezes coincidam com os inícios.
Por vezes, alguma árvore intercala-se, ou o vento empurra – e a viagem termina antes do retorno. Ainda assim, acredito que a natureza gosta de se ter só para si, a sua matéria no seu sítio, sem grandes variações.
Afinal, nenhum de nós surge de geração espontânea.
Somos um agregar de matéria já existente que, invariavelmente, voltará a ser massa para moldar outros cantos da natureza.
É certamente um pensamento peculiar: a natureza é, com uma ajudinha do sol, um sistema autossuficiente que – inconsciente de si – renova-se em contínuo, com vida a nascer da morte, a morte a reiniciar o ciclo – e, como plasticina que moldamos em mil e uma formas, é sempre a mesma massa, a mesma unidade que reside em todos nós, em cada brilhar de vida.