Devagar. Estes passos carregam-me: põem-se um à frente do outro, vez e vez, metro a metro, como se o disputassem uma corrida aborrecida, em loop, sucedendo-se sempre o mesmo. Tomam o seu tempo a arrancar da retaguarda, arrastando o peso de x ossos, x articulações, 5 dedos, 5 unhas e uma ânsia de suster oContinue a ler “xi”
Category Archives: desconversas
x
“A morte é só isso, essa ausência. E essa ausência não pode ser dita, não pode ser descrita. Só pelos outros.” Eduardo lourenço “Os pais podem morrer.” Esta frase – e as suas iterações – são, para muitos, a primeira roupa que a morte veste, quando se apresenta. Talvez seja a avó. Talvez o Snoopy,Continue a ler “x”
ix
O treino de um cão começa da forma mais trivial concebível: descobrindo-se o que o motiva o bicho; o que o faz mexer; o que o leva a quebrar o equílibrio do conforto, da estagnação. Se, como na maioria, o que o motiva é a comida – essa necessidade primária, tão competente a desencadear reacçãoContinue a ler “ix”
viii
“Se os bois e cavalos ou os leões tivessem mãos, e pudessem com elas pintar, e produzissem obras de arte como os homens, os cavalos iriam pintar as formas dos deuses como cavalos, e os bois como bois.” xenófanes A percepção não é ver o que existe; é julgar o que existe pela nossa visão.Continue a ler “viii”
vii
São os chilreares que se contentam com a aparente omnipresença;São os arrastares dos motores velhos com a pressa de nunca chegar;São os passos que cansam, os ladrares que anunciam, o verdume que cresce, as meias-idades nos rostos das crianças;São os insectos que já não vêm como dantes, e os miúdos que já não sabem brincar;SãoContinue a ler “vii”
vi
Noite. Este ar gélido, que surge da ausência, alenta-me os sentidos. Não sei quem governa os dias, mas quando a carruagem se desvanece, ao longe, e o Hélio descansa da extenuante viagem, os ventos já não são os mesmos. Queima-me o frio, como o sol nunca queimou. Queima-me no inverso: de dentro para fora, doContinue a ler “vi”
v
Manhã. Pelas brechas da persiana, a luz entra em rasgos, num resgaste ao que a noite se esqueceu. Quem sou eu para questionar os porquês? Vejo a timidez com que o sol espreita, e mantenho o silêncio – calo a voz e os pulmões, os músculos e os lençóis, a leveza dos movimentos. Talvez naContinue a ler “v”
iv
Toco-te. Talvez essa seja a mais estranha das coisas. Por vezes olho-te, mas não sei se te vejo; interpreto a tua imagem, o que surge nas idas e voltas dos olhos para o cérebro e do cérebro para os olhos, na fronteira do real e do fantástico, do sano e do insano.Por vezes ouço-te, masContinue a ler “iv”
iii
O som da torneira, ainda aberta, concentrou-me na realidade. Observei-a – a água – aguardando que me limpasse os pensamentos. Encontrei algo intrigante naquele pilar uniforme e ininterrupto de água: uma imagem parada daquele pilar, ou a realidade do sistema dinâmico que é – onde a água que aterra no lavatório de falsa cortiça equilibra-seContinue a ler “iii”
ii
Toda a vida, morre. Tudo o que inspira o sôfrego momento da vida – essa partícula divina que quebra a beleza do eterno, a perfeição do mundo não vivo – condena-se ao mesmo fim. O mais belo dos planetas, assim como o mais desfigurado dos insectos, têm a mesma semente, que existe até não existirContinue a ler “ii”