Noite. Este ar gélido, que surge da ausência, alenta-me os sentidos. Não sei quem governa os dias, mas quando a carruagem se desvanece, ao longe, e o Hélio descansa da extenuante viagem, os ventos já não são os mesmos. Queima-me o frio, como o sol nunca queimou. Queima-me no inverso: de dentro para fora, doContinue a ler “vi”
Category Archives: literatura
v
Manhã. Pelas brechas da persiana, a luz entra em rasgos, num resgaste ao que a noite se esqueceu. Quem sou eu para questionar os porquês? Vejo a timidez com que o sol espreita, e mantenho o silêncio – calo a voz e os pulmões, os músculos e os lençóis, a leveza dos movimentos. Talvez naContinue a ler “v”
iv
Toco-te. Talvez essa seja a mais estranha das coisas. Por vezes olho-te, mas não sei se te vejo; interpreto a tua imagem, o que surge nas idas e voltas dos olhos para o cérebro e do cérebro para os olhos, na fronteira do real e do fantástico, do sano e do insano.Por vezes ouço-te, masContinue a ler “iv”
iii
O som da torneira, ainda aberta, concentrou-me na realidade. Observei-a – a água – aguardando que me limpasse os pensamentos. Encontrei algo intrigante naquele pilar uniforme e ininterrupto de água: uma imagem parada daquele pilar, ou a realidade do sistema dinâmico que é – onde a água que aterra no lavatório de falsa cortiça equilibra-seContinue a ler “iii”
ii
Toda a vida, morre. Tudo o que inspira o sôfrego momento da vida – essa partícula divina que quebra a beleza do eterno, a perfeição do mundo não vivo – condena-se ao mesmo fim. O mais belo dos planetas, assim como o mais desfigurado dos insectos, têm a mesma semente, que existe até não existirContinue a ler “ii”
i
Deitado de olhos abertos, na solidão do silêncio, encaro a escuridão de frente, como um eterno arqui-inimigo, o canto de onde surgem os demónios. O conceito de inesperado atormenta-me desde cedo, pelo que, a escuridão – com as suas características místicas, com a sua capacidade de esconder qualquer forma, qualquer cor – sempre me aterrorizou.Continue a ler “i”