Hoje, o sol não nasceu.

Qual é a expressão?
Raios te partam!
E quem sou eu para dizer que não?
Que os raios partam, então.
Que quebrem, e rasguem, e queimem.
Que, ao chegarem, as labaredas se acendam em línguas bárbaras, sinusóides – das que, para lá da superfície, onde é fácil arder, navegam mais fundo e incendeiam os campos que os pigmentos desconhecem.
Que levem tudo e, ao cessar o fogo – este terrível purgador – que fiquem as sombras do que foi, as cinzas do que era, o deserto do que ficou por ser.
Só peço: sem violência, por favor.
Que os raios partam, sem dúvida – mas façam-no sem som, no silêncio da penumbra, quando até o mais madrugador dos homens já dorme.
Venham na calada, desfaçam tudo nos pedaços que sentido fizer, e depois deixem-me descansar – “deixem-me da mão.”
Eu não sou um homem difícil – dificilmente o poderia ser.
Ainda assim, em certas melodias – nas que respeitam os meus batimentos cardíacos – ou em certas formas e cores – nas que mimetizam os meus jeitos – encontro um brando rancor, uma fúria modesta, de quem não se quer chatear mas já vai tarde para o esconder.

Talvez seja só perspectiva – uma forma de ver que amalgama o real e o imaginário, o que é e o que não é.
Aparenta beleza: esta forma de ser franzino sem o ser, de romper sem rasgar nada; mas não se vive de simulados.
Vive-se, em oposição a não o fazer – o que, em si, não induz uma escolha, mas uma resignação; uma conformidade; uma pachorra desgraçada.