longitudes. (X)

I
Ser é
Pegar num lápis para escrever estas palavras.
Definir o espaço entre elas na página que as recebe.
O pensar que as antecede, o refletir que as engorda.
Os músculos que contraem e relaxam, causando movimento,
O movimento que recria a mente no papel.
Ser é o que não é não ser.
É a ausência de tudo o que não é.
Uma abstração negativa, uma negação abstrata.
O positivo é a comédia divina,
E Deus ri-se tanto quando afirmamos:
Ser melhor do que isto ou aquilo,
Pior do que este ou aqueloutro.
Volta-se para contar aos amigos mas não está lá ninguém.

II
Crescer num espaço exíguo, uma mónada sem janelas.
Os membros estendem-se, perseguem os limites,
As palavras colidem com as paredes e retornam a mim.
Agora navego no éter; sou o espaço e o tempo.
Cada segundo é um fenómeno atemporal.
(Sou os moldes da realidade)
Vejo-me em cada recanto escuro desta infinitude.
É nestes recantos que me observo a observar-me.
Cada palavra é a mesma, dita duas vezes.
Comigo, navegam definições: são elegantes formas de entretenimento.
Escrevem os guiões ambíguos dos sentidos:
o sabor das laranjas, a cor das laranjas.
Mas o entretenimento não é para mim; é universal.
Eu sou tão-só um subproduto da simbiose.
Rio-me delas e elas riem-se de mim, riem-se comigo, riem-se umas das outras.
Amanhã escreverão outras histórias, as de hoje já cansarão.
Algo tão espirituoso, talvez, como num universo autocriado
Referir ainda o hoje e o amanhã.